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Em busca do tempo perdido

     Considerada uma das principais obras da literatura mundial, o livro de Marcel Proust, "Em busca do tempo perdido," é dividido em sete volumes. Leitura desafiadora na essência, a obra concluída no começo do século passado aborda temas importantes como a dor, a perda e a homossexualidade. Decidi ler Proust, depois de assistir à entrevista ao Roda Vida da Cultura de José Mindlin, o guardião do livros, que morreu no mês passado. Questionado sobre os melhores escritores que leu, ele respondeu sem pestanejar: Machado de Assis e Proust. Na mesma ocasião, também fez uma comparação sábia, para retratar a literatura de mercado: "O Paulo Coelho está para a Literatura assim como o Edir Macedo está para a religião." Foi genial a comparação, um toque de Proust, para resumir em poucas palavras o que todo mundo já sabia. 

Machismo



    
Por Luis Bacedoni
      
        Esta semana, em que a Secretaria do Trabalho e Ação Social trepidou, por conta dos cortes feitos pelo secretário Neiron, afastando o PMDB da pasta, visitei o pessoal do Bolsa Família, o programa social, com finalidade eleitoral do Governo Federal. Uma das revelações que mais me causou espanto é a de que é frequente entre as famílias mais pobres o homem impedir que a mulher utilize qualquer método contraceptivo. Pode? Mas, segundo a Marlusa, coordeandora do “Borsa”, ocorre mesmo! E a explicação é puramente machista. Eles não querem correr o risco de levar guampa. Pode? Pode!
A situação é mais séria do que se possa imaginar e as consequências sociais, também. A realidade demonstra que em boa parte dos casos,  em que o homem impede o acesso da mulher aos métodos anticoncepcionais, temendo que ela terá total liberdade, inclusive para corneá-lo, as famílias são numerosas. Há uma em que já são 10 filhos. Os técnicos sugeriram uma ligadura de trompas para ela, mas o maridão enlouqueceu e disse que a pem supor que sua testa possa sofrer qualquer alteração. Porém, se permite todos os finais de semana sair para as festas. Na sexta-feira, ele se emperiquita todo, pega o carro velho, que só pega na descida, e se some. Á ela, só resta cuidar da filharada.
       Ainda bem que para toda a regra sempre há pelo menos uma exceção. Uma amiga minha passava pelo mesmo drama, mas decidiu virar o jogo, virar a mesa e dar as cartas. E olha que nem precisou recorrer à Maria da Penha. Cansada dos abusos do parceiro, um dia se fez de louca, inventou uma crise e jogou a casa para cima dele. Filhos, ela teve três e não quer saber mais da experiência da maternidade.
       - Ah, é muito lindo pras outras, pra mim chega - declarou.
Outro dia, ela indignou-se com ele e protagonizou uma cena que deixou os vizinhos chocados. Contraridada, porque o marido recusava-se a limpar uma valeta tomada pelo mato, situada em frente à casa, ela pegou um cinto, com uma fivela metálica, ornamentada com a cabeça de um cavalo, e deu uma surra nele. Não houve argumento que chegasse em tempo.
      - Quem tem que fazer isso é o Ghignatti - dizia ele, embaixo do mau tempo.
      - Aquele também merece umas lambadas - retrucava ela.
No mês que vem, a danada pretende viajar para a Capital, para visitar os familiares. Disse que vai tirar umas férias, inclusive do marido. Ela disse que ele tem que viver sozinho para aprender a dar valor à relação. O único filho que ainda mora com ela foi para o Litoral. Ela prentede ficar 15 em Porto Alegre, destino de todo o verão, mesmo antes de conhecer o que chama de “traste.”
       - Vou sair um pouco pra aliviar a cabeça - avisou ela, durante outro quiproquó. E antes de pegar no sono, sentenciou:
        - Quando eu voltar, tomara que tu tenha pegado na Granol... senão...

Crônica publica no Jornal O CORREIO, em fevereiro de 2010

Poesias de Bac

Alma Leve
Luis Bacedoni

Já não ouço rumores
do povo lá de baixo
Já não sou escravo
do escárnio, do orgasmo
Lamento,
a angústia já não bate à minha porta,
na gaiola restou a carne morta
e uma ejaculação inértil.
Tempo se foi, não volta mais,
na prisão do ar infértil
que a língua do pobre fétido
não me atingirá jamais.
Sem o encargo da utopia
daquela cabeça vazia,
minh'alma paira leve
sobre um campo mui sereno,
onde o pássaro plana livre,
bem distante do veneno
daquele ser pobre e pequeno.

Gravataí, 30 de novembro de 2001

BEBEMORANDO

LUIS BACEDONI

Aproveitei a véspera de feriado, esta semana, para dar uma volta pela noite cachoeirense. Fui à New House, a mais movimentada casa noturna da cidade, e reencontrei uma punhado de gente festeira, animadíssima, apesar do preço da cerveja (R$ 5,00) e da medonhice do tal pagode universitário. Tudo era festa. Mesmo com a locomoção prejudicada na casa superlotada, enxerguei G. (vou preservar a identidade dele, afinal, na noite da New House, tudo que é gato é pardo). Havia tempo que não cruzava com G, que pareceu-me estar na faixa do sobrepeso.
Com muito custo, abri brechas na massa e consegui chegar até o animado garotão - G não dá indícios de seus 3.8 - que contou-me, já enrolando a língua, que estava na festa para bebemorar os 150 anos da cidade. Pretexto melhor não havia, especialmente se tratando de marido de mulher ciumenta e pai de alguns filhos. Com a maior cara de pau e com a ceva peso de ouro na mão, prometia barbarizar pista, uma novíssima performance, segundo ele, em homenagem aos índios que, há um século e meio, acampanharam na Aldeia.
- Olha só, cuida só... avisou ele.
Antes mesmo da música começar, G. pegou uma magra pela cintura, grudou nela e ficou no ponto. O pagode universário correu solto e só e G. enloqueceu, literalmente. Cheguei a desconfiar que a magrela não fosse aguentar o tranco. Em uma daquelas abaixadinhas, percebi que a barriga de G. estava fora do leito normal, nada que comprometesse aquela desenvoltura impressionante. No meio da música, o bagaceiro do Zé chegou a dizer:
- Cuida, acho que ele vai entrar pra dentro dela...
Parecia mesmo, do jeito que G pegava a magra, dava a impressão que um dos dois seria suprimido, antes da pagodeira terminar. Encerrada a música - muito pior do que aquela da “Chupa que é de uva,” - G. olhou para nós com uma cara de quem sabia que tinha roubado a cena.
- Bah, mas não vão cantar parabéns pra cidade? - despistava ele, preparando-se para a próxima dança. Naquele momento, a magra deixava o banheiro revigorada, com os olhos arregalados, como se tivesse levado uma surra. A sainha minúscula que a guenza usava estava torta, deixando exposta meia bunda. Pelo jeito não se ressabiou e estava pronta para outro saracoteio daqueles.
- Bei, ela vai de novo!- observou o Zé.
No palco, a banda convocou a massa para cantar parabéns pra cidade. G. soltou o refrão antes da hora, praticamente foi ele quem regeu a turba. Era sem dúvida o festeiro mais animado dos 150 anos. Feliz da vida, disse que arrasaria, promessa que acabou ficando para o próximo 8 de Dezembro:
- G., sua mulher e sua filha estão lá na portaria te aguardando - avisou o D.J.

Ilustração retirada da internet
(Crônica publicada na edição de 11 e 12 de dezembro do Jornal O Correio de Cachoeira do Sul)
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A febre da Gripe A


Crônica de Luis Bacedoni especialmente para o blog
As autoridades brasileiras afirmam que as estatísticas demonstram que o número de casos da Gripe A está caindo. Será que foi só um resfriado? Pandemia ou não, a primeira moléstia que se alastrou mundo afora e foi acompanhada em tempo real pela internet deixou suas marcas:
- Como é o nome dele, senhora? - pergunta o médico à dona-de-casa, que levou o filho pra consultar.
- Tamiflú, doutor.
- Tamiflú com acento. Foi erro de registro - completou ela
- O que há com ele?
- Anda inquieto demais, desconfio que seja hiperatividade. Tamiflú não era assim.
- Agita muito na sala de aula?
- Tem agitado. Outro dia, intimou a professora e perguntou pra ela o que continha a molécula H2O + H1N1. A professora ficou boiando.
- E o que Tamiflú respondeu?
- Catarro com o vírus da Gripe A.

A Gripe do Porcão

Luis Bacedoni
Achei estranho quando o cachoeirense Vilnei Kohls, que agora está filmando uns curtas na terra natal, batizou um dos filmes de "O ataque do Dengão." Ele abordou de forma bem humorada a propagação da dengue no país. Pois agora, em tempo de H1N1, me ocorreu que estamos vivendo a fase da "Gripe do Porcão." O alarme em torno da doença é exagerado demais. Para se ter uma ideia, o pobre vírus só matou pouco mais de 700 no planeta inteiro, muito menos que o trânsito brasileiro e a fome nacional. O parente mais próximo do H1N1, o vírus da influenza, levou desta para melhor nada mais, nada menos que 17 mil no Brasil, somente no ano passado.
Enquanto a mídia trata de criar pânico geral, tem gente faturando com a nova gripe e não são só os fabricantes e comerciantes de máscaras e de Tamiflu, o antibiótico que dizem nocautear o tal de vírus. Mariazinha, uma velha conhecida, contou-me outro dia que encontrou no H1N1 a sua salvação. Para se livrar do encosto do marido, gordo que nem o porcão, chega em casa todos os dias de máscara. Tosse tanto que as cordas vocais estão por um fio. Desconfiado da própria sorte, o Porcão está dando um tempo: dorme na sala e até retirou a escova da cestinha cor-de-rosa do banheiro. Entre um espirro e outro (tudo produzido à base de muito talento), Mariazinha vai mantendo a peste do marido bem distante. Enquanto isso, Zé do Reciclável continua faturando a doida mascarada, que está faturando e sendo faturada, tudo com os auspícios da boa gripe A.
- Atchim!
Credo! Fui.


CRÔNICA


Tudo do mesmo saco
Luis Bacedoni*
Na semana em que os cientistas anunciaram que conseguiram reproduzir, a partir da manipulação de células-tronco, espermatozóides, o pavor tomou conta do planeta. Nem a gripe A, que dizem os especialistas ser igual a qualquer outra influenza, provocou tanto temor quanto a notícia dos espermatozóides de laboratório. Será que vão aposentar o velho método de fazer bebê?! O futuro se descortina: a distinta senhora chegará à farmácia e, com ar decidido, pedirá duas ampolas de espermatozóides:

- Ah, moço, por favor me veja com tons loiros, pois já tenho dois mameluquinhos em casa.
Vivia a Ciência! Viva a autonomia feminina! Se o espermatozóide em ampola emplacar até mesmo algumas expressões serão aposentadas. O que dirá o prefeito vascular que recebeu esta semana jovens advogados e engenheiros da Corsan, a companhia de água do Estado, e que no calor da negociação para dividir os lucros da estatal, declarou que eles nem no saco dos pais estavam e a empresa já levava dinheiro de Cachoeira do Sul. Uma comparação com a capilaridade peculiar de um angiologista e um desastre com instabilidade típica de um político.
*Acadêmico de Letras UFPel/UAB